domingo, 6 de novembro de 2016

A grande artimanha do sobredotado: as "montanhas russas"

Lembrem-se dessas manobras. Nessas subidas, vocês se sentem carregados, transportados, a ascensão é excitante, mas vocês sabem que o ápice se aproxima e o medo vos alcança. E de repente, o tombo vertiginoso, que parece vos aspirar num abismo sem fim. Tudo se precipita, emocionalmente e fisicamente. Vocês têm a sensação de uma morte iminente, tanto as percepções são violentas nos seus corpos, depois, vem o looping e, de cabeça para baixo, vocês perdem o senso das coisas, a ordem do mundo. Vocês não sabem mais onde vocês estão, vocês não sabem mais se vocês sairão vivos desta aventura. Mas então, uma nova subida inicia, vocês retomam confiança, tudo retorna possível...
A vida do sobredotado parece um pouco com isso: feita de esperanças infinitas, de decepções fulgurantes, de alegrias intensas, de poços de sofrimentos, de encadeamentos inebriantes, de sensações e de emoções contraditórias. Uma vida raramente linear. Onde se perde também rapidamente seu objetivo pois nele se encontra um novo, onde as emoções intensas estão sempre presentes, boas ou más, onde se tem sempre medo, tanto na subida quanto na descida.
Uma manobra onde se volta tranquilamente, com o único objetivo de apanhar o tufo, o pompom, seria tão mais repousante. À imagem da vida: para alguns, "rolam", dizem eles, quando se lhes pergunta as novidades de sua vida, "vai indo", respondem eles quando se fala de sua profissão. O 'pompom', é o êxito que se gostaria tanto obter. Com a ilusão de uma reviravolta de vida gratuita? Talvez seja efetivamente isto que faça avançar o mundo...

>> O dia onde a magia da artimanha interrompe-se, onde as luzes extinguem-se.
Alice tem 55 anos. Sua vida expõe-se nos jornais. Ela é conhecida e reconhecida. Mas seu par vacila. Durante vinte e cinco anos, ela e seu marido brigam com a vida e nas suas relações, eles construíram tudo juntos e ao mesmo tempo foram-se destruindo. Muito de relações de força, muito de paixão e então muito de ódio. Muito amor, é claro. A ruptura decidiu-se, a separação se fez. Ele, acaso dos encontros, apóia-se sobre uma nova ligação "que o retém". Ela tenta aventuras amorosas mas não chega a se "fixar". Seu turbilhão de vida continua: viagens, projetos, realizações profissionais, encontros incessantes e festivos, etc. Mas a ausência de seu marido torna-se, nos fios dos meses, insuportável. Com ele, a vida era difícil, sem ele, a vida é impossível. O que ela exprime sobretudo, é este sentimento de ter perdido a conexão com suas emoções. Ela sente com sua cabeça, diz ela, mas mais com suas entranhas. Por exemplo, se sua pequena filha salta nos seus braços, ela fica louca de alegria, mas não sente o prazer na profundidade dela mesma. Reação emocional, zero. Tudo lhe parece semelhante. Como se mais nada tivesse verdadeiramente importância, interesse. Um pouco como uma vida que se tornasse de repente em negro e branco. Então, Alice luta para "fazer semblante", de estar contente, de entusiasmar-se, de ter prazer. Mesmo com seu amante do momento ao qual ela está muito ligada e com o qual ela passa verdadeiros momento de prazer, ela confessa: "Por vezes eu me forço. É verdade, eu estou bem, ele é formidável. Nós rimos muito, nós falamos de tudo. Mas, na verdade, eu me entendio. É uma sensação insuportável, eu não posso mais." Esgotada, no fim dos recursos para continuar o que ela descreve como uma "comédia" onde ela se perde, ela tentará o suicídio. Mas quando voltamos a conversar, ela repete que ela não queria morrer. Justo, ela não podia mais viver assim, uma vida insípida onde não se vibra mais. "À que é bom?", insiste ela. Não, isto não é um simples quadro de depressão pela qual ela é tratada depois de muitos meses, sem efeitos notáveis. Não, pode-se levar um terapia habitual com uma paciente como Alice. Ela vos espiona, capta a menor de vossas reações. Ela está dentro da noção que você não a compreende verdadeiramente, que você faz tudo simplesmente profissionalmente e não essa pessoa sobrehumana que vai poder ajudá-la... pois sua lucidez extrema demanda uma vigilância terapêutica em todos os instantes. Como modificar a visão do mundo de Alice tanto sua sagacidade é evidente, como ajudá-la a reencontrar um equilíbrio de vida ao passo que é nos contrastes que ela se sente viva, como lhe permitir se reconectar a suas emoções se é por elas que o sofrimento chegou? O que é difícil, muito difícil, para o terapeuta, é não relaxar no caminho, não dizer repentinamente uma banalidade ou tentar fazer crer que o impossível pode se tornar considerável. E, para Alice, o impossível é 'recuperar' seu marido pois ele está no centro de tudo o que ela construiu. Para ela e para sua família. E não se trata nem de inveja, nem de orgulho, nem de amor-próprio. Talvez mesmo não de amor em resumo. Mas, como frequente no adulto sobredotado, num sentido profundo de engajamento que torna o liame indestrutível, eterno, de um apego infinito que torna a ruptura impensável. No verdadeiro sentido do termo. Não é que ela não queria avançar na sua vida diferentemente, mas ela não pode. Ela não é feita como esta Alice. "É justamente não ser possível", insiste ela. Ademais, seu funcionamento de sobredotada não lhe deixa nenhuma trégua: nem na sua análise permanente do ambiente, dos outros, das situações nem na sua vivência emocional. Não mais viver com suas emoções, é não mais viver de todo.

A aposta, e não os insignificantes: fazer Alice tomar consciência dos meandros de sua personalidade e fazê-la descobrir todos os recursos escondidos em si. E ajudá-la a servir-se como uma força de vida e não mais como um bumerangue autodestruidor.
E, então, apesar de bela, rica e inteligente, Alice se lastima! Mas quem pode compreender ou somente entender uma inverossimilhança parecida?

"No primeiro curso de filosofia, nosso professor, à guisa de sacrosanto, fez-nos preencher o questionário de Proust. Na questão 'Qual dom da natureza teria você gostado de receber?', eu respondi: 'a idiotice'. Ele me fez notar que era muito pretensioso, como resposta. Mas este imbecil teria podido primeiramente esconder aquele sofrimento que havia por trás, que eu não sabia exprimir de outra forma que por uma trirada original ou uma provocação. Eu dizia a quem quisesse entender que não era por nada que se falava de imbecis felizes. Que seria necessário ser um pouco idiota para conseguir ser feliz." Testemunho de um adulto sobredotado.