quarta-feira, 30 de março de 2016

>> O sentido da vida afogada de questionamentos infinitos: a dor de viver

A dor de viver
O desejo de viver é intacto, o que é diferente do estado de suicídio. Mas a dificuldade de viver é intransponível. "É muito difícil", resume esta paciente de 42 anos que diz que todas as manhãs ela se pergunta como vai transpor o dia. "Os cinco primeiros minutos, eu sou suicida porque eu penso em muitas coisas de uma só vez, é horrível!"
Não mais porque ela não sente coragem, isto chega como a estados depressivos e que a medicina chama apatia ou abolia. Mas por causa da energia que se precisaria mobilizar para:
1. proteger-se,
2. encontrar o interesse nas coisas,
3. não achar tudo inútil,
4. dar sentido à sua existência,
5. chegar a dar troca aos outros, que se torna uma prova insuportável e intensamente dolorosa.

Em sessão de terapia, nós decidimos fazer um jogo. Nathan, 9 anos, é o psicólogo. Ele me interroga: "- Qual é sua paixão de viver?". Já!

O que significa o quanto dessa questão da vida, de seu sentido, do sentido das coisas, do interesse de viver, é um fio contínuo no espírito do sobredotado. Um pensamento que o agulha sem cessar. Por momentos, quando a vida é mais excitante, que o sobredotado é pego num turbilhão que o satisfaz e o apazigua, a questão se atenua e se estende no fundo de sua cabeça. Mas, desde que o curso da vida se torne mais calmo, mais monótono, que uma decepção ou um fracasso entrave o percurso, a questão ressurge com força e se coloca, implacável, entre si e o mundo. Ela se torna incontornável e mortífera.
A dificuldade: como ajudar? Pois toda tentativa de racionalização, toda estratégia pode abrir novas maneiras de pensar, de se representar as coisas e a vida, todo processo empregado para se apaziguar o sofrimento vem apoiar-se nessa interrogação fatal e incansavelmente repassada pela análise aguçada do sobredotado: como viver esta vida, como assim?

>> A inibição social: retirar-se do mundo

"Não é um acaso se eu me fecho num atelier para me proteger do mundo." Dominique tornou-se tapeceira. Ela o decidiu subitamente no dia em que, uma vez mais, uma vez muito, ela se sentiu agredida pelos outros. Onde seu sentimento, antigo, de deslocamento, de estranheza, de diferença, convenceu-a definitivamente que ela seria sempre rejeitada, que ela não voltaria a se sentir bem com os outros. Que isso lhe demandaria muitos esforços.
A inibição social ameaça o sobredotado. Sob uma forma mais ou menos severa. Diria-se de alguns que é sua característica, que eles são 'selvagens', 'antissociais', mas eles restarão inscritos, no mínimo, num tecido social. Para outros, o retrato social isola-os profundamente do mundo. Recuados, solitários, eles se mantêm como o exterior senão através de relações vitais, profissionais por vezes, mas podem afogar-se em estados mais críticos de depressão crônica no prognóstico mais sombrio. Eles se construíram uma carapaça tão sólida. É difícil alcançá-los e mesmo ajudá-los. Seu medo do mundo, de seus perigos, é tão grande! Sair de seu "terreno", qual o interesse? Para sofrer ainda mais? Não, obrigado. 

>> As derivas adicionais para não mais pensar

Das drogas ao álcool, dos jogos de vídeo ao trabalho, da televisão à internet... todos os aditivos são possíveis. 
"A única força vital que não se pode parar, é o pensamento." Rafael, oito anos e meio.
Então, quando não se pode parar de pensar, quando o turbilhão é insuportável, quando se tem a impressão que a cabeça vai explodir e que todas essas ideias, todos esses pensamentos se desdobram em questionamentos infinitos, as tristeza opacas, o embrutecimento de uma atividade que pode absorver totalmente o pensamento, exterminar a agitação cerebral infernal, torna-se a única solução... vital! Mas a deriva aditiva é dissimulada: apaziguadora um certo tempo, é ela que se torna angustiante... Ela chega a tranquilizar certo pais preocupados com seu adolescente submetido à sua tela. Eu explico o alívo que isto pode representar para o sobredotado, após uma jornada de escola, evadir-se num mundo onde se pode ser o herói. Reencontrar uma toda-força é tão repousante. De uma certa maneira, é um ansiolítico que o adolescente utiliza espontaneamente para acalmar suas angústias. Um pouco, é bom e útil. Muito, é claro, vai se tornar uma armadilha. Mas sabe você que o trabalho pode ter as mesmas virtudes e comporta os mesmos riscos? Consagrar o mais claro de sua vida à sua atividade profissional é uma luta contra a ansiedade. O risco? Quando as angústias ressurgem brutalmente.

>> Os distúrbios do sono

No momento de deitar, é difícil fazer cessar o fluxo de pensamento. De reduzir sua intensidade. Os problemas de adormecimento são frequentes e recorrentes. Encontra-se também uma manifestação inversa, a hipersonolência como sedativo poderoso do pensamento: mais se dorme, menos eu penso.

>> A inibição intelectual como estratégia de adaptação

"Ser um verdadeiro idiota, é um bom remédio para minha doença. Eu tenho necessidade de um tratamento radical: ser um idiota, isto será a quimioterapia de minha inteligência. É um risco que eu tomo sem hesitar. Mas se, em seis meses, você perceber que eu me esgoto um pouco mais, intervenha! Meu objetivo não é tornar-me estúpido e cupido, mas deixar circular moléculas no meu organismo, para purificar meu espírito muito doloroso. Mas não intervenha antes de seis meses. É também um risco. Tanto mais que ser imbecil comporta muito mais prazer que viver sob o jugo da inteligência. É-se mais feliz, é certo. Eu não deveria guardar o sentido da imbecibilidade, mas os elementos benéficos que aí nadam como oligoelementos: a felicidade, a uma certa distância, uma capacidade de não mais sofrer de minha empatia, uma leveza de vida, de espírito. De despreocupação! Finalmente, tornando-se idiota, eu poderia, por uma vez, fazer prova de uma surpreendente inteligência. Você me acha pérfido?" (1)
(1) Martin Page, Como eu me tornei estúpido, Comment je suis devenu stupide. Le Dilettante, 2000.

Inibir-se para sobreviver...
A inibição é uma estratégia poderosa cujos efeitos são por vezes irreversíveis. Quando se desencadeia uma energia considerável para sufocar, ver destruído, todo um pano de sim mesmo, resulta que os efeitos procurados ultrapassam o objetivo inicial. Trata-se de apaziguar um sofrimento insidioso, chega-se a um empobrecimento de si e um real deserto interior. Resulta em personalidades apagadas, perdidas numa existência sem significação e, o mais frequente, isoladas socialmente. O objetivo de 'se tornar estúpido" tornaram-nas indiferentes a elas mesmas e transparentes aos olhos dos outros. 

>> O humor que muda sem razão aparente

"Eu tenho a impressão de ter saltos de humor, de repente eu estou hipercontente e em seguida, eu estou triste." Laura, 25 anos.

Ligada à rapidez de ativação dos laços em arborescência, o encadeamento de ideias ativa, em um tempo muito rápido, representações, pensamentos, emoções, lembranças em coloração bem positiva, negativa, ansiogênica, prazerosa. Esta instabilidade de humor pode ser confundida com quadros clínicos clássicos de depressão ou de distúrbio bipolar. Trata-se somente do funcionamento cognitivo que transporta na sua fusão incessante toda a gama de emoções.
Para o sobredotado, é uma vivência por vezes difícil pois ele não tem acesso às raízes de suas mudanças rápidas de humor. Ele não sabe nem porque ele está triste nem porque ele se sente bem. De uma certa maneira, ele é a vítima impotente de um funcionamento cerebral que o governa e o ultrapassa. Ele não tem mais acesso a ele mesmo, o que pode também ser uma verdadeira fonte de angústia e mal-estar. Inacessível a uma compreensão e a uma análise clássicas. 

O perigo: os erros diagnósticos

A expressão do sofrimento do sobredotado, por vezes próximo, na sua forma, das patologias clássicas, pode conduzir a frequentes erros diagnósticos. Os profissionais pouco informados e mal formados neste ordenamento específico da personalidade se arriscam em engajar esse paciente nas respostas terapêuticas pouco adaptadas. Sob o risco de jamais conseguir aliviar as perturbações.
> As derivas diagnósticas mais clássicas.
~ O pensamento divergente, a rapidez de associação de ideias, os encadeamentos lógicos não respeitados pela velocidade da arborescência... podem evocar um diagnóstico de esquisofrenia. A frieza emocional, a distância emocional reforçarão esta hipótese diagnóstica.
~ A instabilidade do humor, momentos de excitação que contrastam com momento de profundo pessimismo, exaltação de humor, tanto de sinais que se arrastam num quadro de distúrbio bipolar (inicialmente denominado psicose maníaco-depressiva).
~ A sensitividade, a receptividade emocional exacerbada, os momentos de regressão, a adaptação social flutuante, tantos indícios que defendem em favor de uma patologia bordeline ou estado-limite.
~ Depressão, perturbação ansiosa, fobia... serão, eles, bem distintos. Mas não compreendido na sua organização singular. Dúvida...

segunda-feira, 28 de março de 2016

O sobredotado, vítima dos equívocos diagnósticos, tão desejoso de encontrar uma saída a seus sofrimentos, vai entabular uma longa peregrinação, de psicólogo em psicólogo, de diagnóstico em diagnóstico... Primeiro, ele crê, depois pouco a pouco fica ofegante. E uma nova armadilha se refecha: agora ele não tem mais confiança em ninguém e ainda menos naqueles que pretendem compreendê-lo e cuidar dele. A errância diagnóstica trancou o acesso possível à ajuda que ele procurava e reclamava ruidosamente, sem saber como pedir ajuda. Ele é para ele mesmo um enigma...

As armadilhas do procedimento

"Você certamente irá achar isto estúpido, mas, quando estou com um psicólogo, eu tenho rapidamente a convicção que ele não compreende. Que ele não alcança a natureza do meu problema, de minhas dificuldades. Então, eu sei. Melhor que ele. Algumas vezes, eu tenho mesmo a impressão que sou eu que sou obrigada a colocá-lo na via. Que sou eu que o ajuda a... se dizer me ajudar. Mas, no fundo, eu penso que ninguém pode me ajudar. Não há senão eu, que possa fazer alguma coisa." Assim se confia, com uma mistura de vergonha e de humilhação, esta paciente de trinta e oito anos, desenganada, esgotada, também por duas jovens zebras...

O procedimento apóia-se frequentemente sobre esta ambivalência: a necessidade infinita de encontrar alguém que possa compreender, alguém que enfim permitiria se sentir transportado, e a necessidade de domínio e de controle que tranca a possibilidade de dar um lugar ao outro.

Atenção ao conceito da moda do acalmar-se (lâcher-prise)

Ele convém mal ao funcionamento do sobredotado. É um obstáculo frequente inspirado pelas correntes psicológicas atuais. A ideia é fazer ceder as tensões interiores para se reconectar profundamente a si mesmo e se preencher de uma calma benfazeja, fonte de cura. Mas, para um sobredotado, é precisamente nestes momentos de relaxamento que os pensamentos se multiplicam pois eles terão espaço liberado, e se ele chega, um pouco, a parar seus pensamentos, é a angústia, difusa, que aparece.
Para apaziguar seus pensamentos, o melhor conselho é propor ao sobredotado mergulhar totalmente em outra coisa, muito distante de suas ocupações habituais e que o absorva completamente. Quanto mais for deslocado em relação ao seu cotidiano e ao seu modo de vida ordinário, melhor é. O que conta é poder se entregar a essa atividade, a esse passatempo, plenamente. Uma depuração para o pensamento!

Recapitulações

* Ser sobredotado é uma componente da personalidade, não é uma patologia.
* Ser sobredotado dá uma coloração específica à expressão de sofrimento que é preciso saber reconhecer e ter em conta para ajudar e acompanhar eficientemente dentro de um processo terapêutico adaptado.
* Ignorar as especificidades da estrutura psicodinâmica da personalidade do sobredotado, é tomar o risco de erros diagnósticos que podem seriamente precipitar o sobredotado em sofrimentos inextricáveis e desvios de vida.
* O procedimento de observação do sobredotado comporta alavancas terapêuticas que é preciso conhecer e saber utilizar. Em particular, pode-se apoiar sobre o si cognitivo geralmente intacto mas sufocado. Pensar é estar na fonte do sofrimento, mas se pode ajudar o sobredotado a reaprisionar seu pensamento para fazê-lo aliado no processo de reabilitação de si. Como se se restaurasse um antigo prédio: tudo é fenda, o teto desaba, mas as fundações resistem e pode-se apoiar sobre elas, reforçá-las para reconstruir uma base sólida e protetora. Mas aberta também, para fazer entrar os outros, a vida, sem ter medo de ser atacado. Não é mais uma casa construída para repelir os ataques de inimigos imaginários, mas uma casa concebida para estar bem e se sentir bem com os outros. É bem diferente.

As benfeitorias da grande inteligência,

As benfeitorias da grande inteligência, atestados por um certo número de estudos recentes. Para se elevar a moral!
* As pessoas inteligentes têm menos riscos de sofrer de doença mental, anuncia a Universidade de Cambridge.
* Um QI elevado pode diminuir o grau de severidade de certos problemas psicológicos com a depressão e a esquisofrenia.
* Os pesquisadores demonstraram que os sintomas são menos severos e que a possibilidade de se adaptar é maior nas pessoas tendo um QI elevado.

A inteligência é um fator protetor contra a patologia!

À guisa de conclusão

Ao longo de toda a redação deste livro, veio-me frequentemente a ideia de parar, na minha cabeça ou no meu computador, e de me interrogar: e se tudo isso for pura quimera? E se os sobredotados não forem o que eu descrevi? E se todos estes detratores ignorantes tiverem finalmente razão e que é inútil se preocupar desses seres transbordados pela natureza?
Sim, eu vos asseguro, isto chegou-me mais de uma vez, assaltada por essas dúvidas insidiosas! E depois, alguns instantes mais tarde, eu me reencontrei diante de uma criança, de uma adolescente, de uma família, de um adulto e, na sua história, na natureza de seu desespero, de sua errância, nas suas palavras e na sua atitude, a fulgurância da certeza revém com uma força admirável. Mas como eu pude um só instante pensar que a incrível singularidade dessas personalidades não revelava uma realidade clínica patenteada? Então, abastecida dessa evidência, alimentada de tudo o que foi dito, descrito, provado, confirmado hoje pela ciência, eu retorno à escritura com um ardor e uma vontade de transmitir ainda mais vivos. Vocês existem, eu tenho certeza, eu vos encontrei!

domingo, 27 de março de 2016

Possa este livro vos ajudar a revelar toda essa magnificência do que você é, com essa inteligência intensa e esta sensibilidade excepcional que fazem de vocês essas personalidades de uma tal força frágil. Tome intimamente, definitivamente consciência de cada parcela de que vos constitui e que faz de vocês um ser singular nos múltiplos talentos apesar das numerosas armadilhas. 
Aproveite tudo e irradie em torno de você. O mundo tem necessidade. Vosso êxito de vida é também aquele de todos.
E lembre-se dessa coisa simples: pode-se ter sido uma criança comum e se tornado um adulto extraordinário. Nada jamais é jogado tanto que se o é em vida. A cada etapa da sua vida, pode-se pegar um novo caminho. Tudo é sempre possível. Modificar sua rota, modificar o olhar sobre si e sobre os outros é uma maravilhosa aventura. Isto dá medo, certamente, mas que novos prazeres em perspectiva!
E sobretudo, sobretudo, guarde preciosamente vossa alma de criança, vossa ingenuidade refrescante, vossa criatividade fulgurante, vossa sensibilidade transtornante, vossa curiosidade sempre em alerta, vossa inteligência efervescente. Guarde todos esses recursos que fazem de você um adulto decididamente diferente. Um adulto que não se tornará jamais uma " pessoa grande"! grifo meu: um adulto.