domingo, 3 de abril de 2016

Uma imagem de si em bases frágeis

Da pequena infância à adolescência, a construção da imagem do sobredotado se confronta na diferença. Com suas duas facetas, distintas na forma, mas com consequências similares.

* Primeiro cenário: a criança sobredotada percebe a si mesmo como diferente sem compreender porque ela não chega a ser, pensar, compreender, sentir como os outros. Ela tenta frequentemente, faz tentativas para se conformar, se adaptar, se ajustar. Mas isso lhe exige muita energia. Sua adaptação não é natural, espontânea, evidente. Ela se vê viva ainda que não viva. Isto funciona por vezes, ela se integra, cresce com os outros apesar deste deslocamento persistente e incompreensível para ela, mas por vezes também isso fracassa e a solidão a recaptura. Tanto mais quanto mais seus esforços para ser aceita como idêntica, parecida, foram sustentados. Ela não sabe mais muito bem quem ela é. Ela oscila entre uma imagem de sim mesma profundamente negativa - eu não tenho nenhum valor, eu não sou digna de ser amada, eu não conseguirei jamais nada - e uma convicção íntima e persistente que alguma coisa lhe escapa, mas o quê! Este desconforto psicológico, geralmente doloroso, confunde a representação de si e a possibilidade de estar 'bem na sua pele' e na sua vida. 

* Segundo cenário: o jovem sobredotado não percebeu sua diferença. Ele se pensa uma criança, um adolescente, como os outros. Ele não distingue as singularidades do seu pensamento e de sua sensibilidade. Ele pensa que todos funcionam como ele. Então, ele viverá certas reações, certos comportamentos, certos episódios de sua vida, como agressivos, injustos, profundamente chocantes. E, mais ele tentará dar sentido, pedir explicações, a estas manifestações vividas por ele como hostis, mais ele se confrontará à incompreensão. A sua e a dos outros. Perdido, sem compreender o que chega a ele e porquê, sem poder partilhar a desordem fugidia, ele tem o sentimento de perder o chão e se remete em causa: se todo mundo parece pensar que o que eu sou não convém, então isto significa que eu não valho muita coisa. Como construir, neste contexto, uma imagem de si sólida?

Às portas da idade adulta, as perturbações em torno da imagem de si não chegam a se estabilizar. O fluido em torno de sua identidade conduz geralmente o jovem adulto sobredotado a escolhas por "tentativas e erros". Quando não se sabe bem, muito bem, o que se é, do que se é capaz, em quê se é competente; quando se chega a não mais verdadeiramente saber o que se ama, o que lhe faz prazer; quando se tem tanto medo, tanto fundamentamente medo, de ser decepcionado, por si, pelos outros, pela vida, então não se pode nem planificar nem antecipar os contornos da vida. Tateia-se, tenta-se, engana-se, recomeça-se. Consegue-se por vezes encontrar um "justo lugar", mesmo se se o remete em questão. Um sobredotado não pode inibir este foco em perspectiva constante. A dúvida resta sempre presente. Reencontrar-se-ão as consequências de uma insatisfação crônica e persistente e numa certa forma de instabilidade de vida. Mudar de parceiro, de profissão, fazer novos projetos, mudar de direção de vida aos componentes frequentes do percurso de vida deste ser em busca incessante de absoluto e de verdade. O sobredotado persegue sua conquista identitária, tudo, ao longo de sua vida. Sem relaxamento.